Inquisição Parte II
Origem e Histórico
A instalação desses tribunais era muito comum na Europa a pedido dos poderes régios, pois queriam evitar condenações por mão popular. Diz Oliveira Marques em História de Portugal, tomo I, página 393: «(…) A Inquisição surge como uma instituição muito complexa, com objetivos ideológicos, econômicos e sociais, consciente e inconscientemente expressos. A sua atividade, rigor e coerência variavam consoante a época.»
A ideia da criação da Inquisição surgiu inicialmente para funcionar como um tribunal interno, apenas para dentro Igreja católica.
Em 1022, foi criado o primeiro "Tribunal Público contra a Heresia", em Orleans (França).
Em 1183, quando delegados enviados pelo Papa averiguaram a crença dos cátaros de Albi, sul de França, também conhecidos como "albigenses", que acreditavam na existência de um Deus para o Bem e outro para o Mal; Cristo seria o Deus do bem, enviado para salvar as almas humanas, e o Deus criador do mundo material seria o Deus do mal. Após a morte, as almas boas e espirituais iriam para o céu, enquanto as almas pecadoras e materialistas, como castigo, reencarnariam no corpo de um animal. Isto foi considerada uma heresia e no ano seguinte, no Concílio de Verona, foi criado o Tribunal da Inquisição. As heresias cátaras abalavam as estruturas das nações, pois, consideravam que a alma seria a parte boa do ser humano, e o corpo seria a parte má do homem; assim, eram favoráveis ao suicídio, eram contra o casamento, matavam mulheres grávidas (pois consideravam que essa mulher carregava o fruto do mal em sua barriga) - teorias contrárias ao que ensina o cristianismo. Desse modo, herege era visto como um revolucionário, e tratado, tanto pela sociedade quanto pelo próprio governo (pois o governo era cristão, a heresia era tido pelo governo como crime de lesa-majestade; a falta contra Deus era punida pela lei civil). Os próprios governos exigiram uma posição da Igreja Católica.
Com base no estudo dos processos inquisitoriais concluiu o historiador Rino Camillieri: "Em 50 000 processos inquisitoriais uma ínfima parte levaram à condenação à morte, e dessas só uma pequena minoria produziu efetivamente execuções". Toulouse, considerada uma das cidades em que a inquisição atingiu grau mais forte "houve apenas 1% de sentenças à morte", atesta Rino Camillieri. Agostinho Borromeu, historiador que estudou a inquisição espanhola pontua: "A Inquisição na Espanha celebrou, entre 1540 e 1700 (160 anos), 44 674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em 'contumácia' (queima de efígies)". Adriano Garuti, historiador escreve: "contrariamente ao que se pensa, apenas uma pequena fração do procedimento inquisitorial se concluía com a condenação à morte."
Na época medieval a pena privativa de liberdade não era utilizada como forma de sanção contra crimes. Ou seja, se um sujeito cometesse um crime, não existia ainda a prática civil de mandar para a cadeia os delinquentes, essa prática tornou-se comum a partir do século XVIII. Assim, no tempo medieval era comum a aplicação de penas (pelo próprio governo) que hoje nos pareceriam assustadoras, por exemplo: a pena de tortura é bastante comum; a pena de morte era bastante comum; assim como a fogueira era já utilizada. Essas eram as formas de punição por crimes cometidos. Diz o historiador Adriano Garuti: "A pena de morte foi empregada não somente na Inquisição, mas praticamente em todos os outros sistemas judiciários da Europa". Sobre o uso da tortura diz o historiador especialista na inquisição espanhola Henry Kamen: "Em uma época em que o uso da tortura era geral nos tribunais penais europeus, a inquisição espanhola seguiu uma política de benignidade e circunspeção que a deixa em lugar favorável se se compara com qualquer outra instituição. A tortura era empregada somente com último recurso e se aplicava em pouquíssimos casos."; em outro momento diz o mesmo autor: "As cenas de sadismo que descrevem os escritores que se inspiraram no tema tem pouca relação com a realidade"; "em comparação com a crueldade e as mutilações que eram normais nos tribunais seculares, a Inquisição se mostra sob uma luz relativamente favorável; este fato, em conjunção com o usual bom nível da condição de seus cárceres, nos faz considerar que o tribunal teve pouco interesse pela crueldade e que tratou a justiça com a misericórdia."
O Papa Gregório IX, em 20 de abril de 1233, editou duas bulas que marcam o reinício da Inquisição. Nos séculos seguintes, ela julgou, absolveu ou condenou e entregou ao Estado - para que as penas fossem aplicadas - vários de seus inimigos propagadores de heresias. Nesta etapa, foi confiada à recém-criada ordem dos Pregadores.
A privação de benefícios espirituais era a não administração de sacramentos aos heréticos, onde, caso houvesse ripostação, deveria ser chamada a intervir a autoridade não religiosa (casos de agressão verbal ou física). Se nem assim a pessoa quisesse arrepender-se eram dadas, conscientemente, como anátema (reconhecimento oficial da excomunhão), "censuras eclesiásticas inapeláveis".
Conforme o Concílio de Viena, de 1311, obrigava-se os inquisidores a recorrerem à tortura apenas mediante aprovação do bispo diocesano e de uma comissão julgadora, em cada caso. A tortura era um meio incluído no interrogatório, sobretudo nos casos de endemoninhados ou de réus suspeitos de mentira.
No entanto, e bem mais tarde, já em pleno século XV, os reis de Castela e Aragão, Isabel e Fernando, solicitam, e obtêm do Papa a autorização para a introdução de uma Inquisição. Tal instituição afigurava-se-lhes necessária para garantir a coesão num país em unificação (foi do casamento destes dois monarcas que resultou a Espanha) e que recentemente conquistara terras aos mouros muçulmanos na Península Ibérica e os judeus sefarditas, por forma a obter «unidade» nacional que até ali nunca existira. A ação do Tribunal do Santo Ofício tratou de mais casos depois da conversão de alguns judeus e mouros que integravam o novo reino. Alguns deles foram obrigados a renegar as suas religiões e a aderir ao cristianismo ou a abandonar o país. A estes é dado o nome de "cristãos-novos". Alguns esqueciam de fato a religião dos seus antepassados, enquanto outros continuavam a praticar secretamente a antiga religião. A esses últimos dá-se o nome de cripto-judeus. Eram frequentes os levantamentos populares e as denúncias de práticas judaizantes aos inquisidores.
Sendo essencialmente um tribunal eclesiástico, desde cedo o reino, o poder régio se apossou da Inquisição, como forma de prosseguir os seus particulares fins econômicos, esquecendo o fundamental inquiridium aos réus por motivos religiosos. Tomado pelo poder régio, o Tribunal da Santa Inquisição, em Espanha, deu azo a uma persistente propaganda por parte dos inimigos da Espanha católica: ao sujeitar o poder da fé ao poder da lei, da coação, e da violência, a Inquisição espanhola tornou-se, no imaginário coletivo, uma das mais tenebrosas realizações da Humanidade.
Mais tarde, em certas regiões da Itália e em Portugal, o Papa autorizou a introdução de instituições similares, em condições diferentes. No caso de Portugal, a recusa do Papa ao pedido, tendo visto os abusos da Espanha, mereceu que o rei tivesse como alternativa ameaçar com a criação de uma "inquisição" régia, que segundo ele era coisa urgente para o reino. De fato, a introdução da Inquisição em Portugal resultou das pressões espanholas que, para além de uma sinceridade zelota, não queriam ver o reino rival beneficiar-se com os judeus e mouriscos expulsos de Espanha.
O historiador Olivier Tosseri adverte que:
"A memória coletiva acabou retendo o episódio da cruzada contra os albigenses, lançada pelos grandes barões do norte da França para acabar com a heresia dos cátaros no sul do país entre 1208 e 1249. Mas foi, sobretudo, o fanatismo do inquisidor espanhol Tomás de Torquemada, no século XV, que marcou definitivamente o espírito do Ocidente europeu. Então vieram a Reforma protestante do século XVI, o antipapismo da Igreja Anglicana, a luta do iluminista Voltaire contra o obscurantismo e, finalmente, o anticlericalismo dos séculos XIX e XX: um conjunto de elementos que pintaram um quadro tenebroso e distorcido da Inquisição. E essa é a imagem que ainda repousa na mentalidade de nosso tempo.".
Neste momento, estamos diante da "apropriação penal" dos discursos, ato que justificou por muito tempo a destruição de livros e a condenação dos seus autores, editores ou leitores. Como lembrou Chartier: " A cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem". Ao enfatizar o conceito de perseguição enquanto o reverso das proteções, privilégios, recompensas e pensões concedidas pelos poderes eclesiásticos e pelos príncipes, este autor retoma os cenários da queima dos livros que, enquanto espetáculo público do castigo, inverte a cena da dedicatória.
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