O Cabailon - Edição Definitiva e Comentada
MUITOS INICIADOS
Como já observei, a maior fonte de confusão no que diz respeito a O
Caibalion é, de longe, a identidade de seu autor. Com o passar dos anos, mais
de doze pessoas chamaram a si a autoria do livro, numa lista aparentemente
infinita de candidatos, que ia do possível ao absurdo. Obras anônimas ou
assinadas com pseudônimos, inclusive O Caibalion, estão quase sempre
sujeitas a especulações sobre sua autoria, embora, no caso de O Caibalion,
haja uma importante diferença. Em grande parte, as especulações –
alimentadas nos últimos anos pela internet – apropriaram-se de pequenas
referências do próprio O Caibalion, ou de frágeis ligações biográficas entre
personagens a ele associadas, e transformou-as em alegações de total autoria,
quase sempre com pouca lógica ou comprovação.
Devido à crença no pseudônimo “Três Iniciados” sem aprofundar o exame
de sua veracidade, no século XX houve uma crença bastante duradoura de que havia, de fato, três pessoas que escreveram a obra de Filosofia Hermética de
1908. Uma explicação mais lógica do significado do pseudônimo estaria no
fato de remeter aos aspectos trinos de Hermes Trimegisto, os “Três Grandes”
que foi considerado o mestre dos três domínios da sabedoria universal.
Embora O Caibalion tenha sido redigido como a obra inconsútil de uma única
voz, e ainda que a viabilidade do trabalho conjunto de três autores em um
único texto seja extremamente improvável, a imagem de uma tríade de
ocultistas debruçados sobre um texto é misteriosa, atraente e difícil de pôr de
lado. Ela evoca as possibilidades de uma sabedoria compartilhada, de um
ponto único no qual os diferentes segmentos do ocultismo norte-americano se
encontram, ou mesmo uma sociedade secreta dentro de uma sociedade secreta.
A ideia de que havia três autores distintos de O Caibalion também é
particularmente propícia à especulação, além de difícil de desmistificar; uma
afirmação de autoria não seria necessariamente cancelada pela alegação
igualmente válida ou enganosamente plausível.
Depois de William Walker Atkinson, a pessoa mais comumente considerada
como autor de O Caibalion é Paul Foster Case, um ocultista norte-americano
que escreveu obras influentes sobre o Tarô e a Cabala nas décadas de 1920 e
1930, e que também fundou o grupo conhecido como Builders of the Adytum
(Construtores do Ádito).
[19] A especulação sobre Case é tão amplamente
disseminada que nada menos que cinco outras possibilidades sugeridas para
os Três Iniciados, publicadas on-line e em livros sobre Case e o ocultismo,
são diretamente associadas a ele, o que inclui sua esposa Harriet Case, sua
sucessora nos Construtores do Ádito, Ann Davies, e nada mais, além de “certa
Voz Interior que já vem auxiliando Case há anos”.
[20] Também se afirma que
dois supostos chefes do Templo Toth-Hermes da Ordem Hermética da Aurora
Dourada, ao qual Case se ligou – Michael Whitty e Charles Atkins – ajudaram
Case como coautores de O Cabalion, embora Case e Whitty pareçam ter se
conhecido depois da publicação do livro.
A lenda contada por muitos que propõem a autoria de Paul Foster Case
sustenta que, depois de ler Secrets of Mental Magic (1907), de William. Walker Atkinson, Case veio a conhecê-lo, e os dois se tornaram amigos e
começaram a trabalhar juntos, iniciando-se aí a colaboração conjunta com a
escrita de O Caibalion. As afirmações que defendem a participação de Case
como coautor desse livro ficam em grande desvantagem por terem confiado em
fontes não documentadas e jamais vistas, em fontes anônimas e em relatos de
Atkinson que estão saturados de erros factuais, como datas inexatas e nomes
próprios grafados de maneira errada. Se confiarmos irrestritamente em
indícios publicados e verificáveis, também será possível comprovar que tanto
Case quanto Atkinson moravam em Chicago nesse mesmo período, que
viajavam com os mesmos círculos de ocultistas e que se conheciam bem. Perto
do fim de 1908, Case começou a escrever uma longa série de artigos
incoerentes para a revista New Thought, tendo como título geral “The Law of
Chemical Equilibrium”, enquanto Atkinson prestava serviços a seus
departamentos habituais e escrevia diversos artigos sobre a Ciência Mental.
Mais que colaboradores do mesmo periódico, há indícios documentados de
que Case e Atkinson se encontraram e conheceram um ao outro pessoalmente.
Um anúncio no número de março de 1910 da revista New Thought,
convidando para uma abertura inaugural organizada pela editora The Library
Shelf, coloca claramente os dois homens na mesma sala e no mesmo horário.
Até hoje, não há documentação de fontes conclusivas que possam atestar a
natureza específica da relação entre Atkinson e Case, ou mesmo se alguma vez
eles chegaram a trabalhar juntos. Por essa época, Paul Foster Case tinha vinte
e poucos anos e, embora escrevesse artigos para a revista New Thought, ainda
levaria mais de uma década para que ele começasse a publicar livros. William
Walker Atkinson, por outro lado, estava na metade do período mais forte e
prolífico de sua carreira de escritor. Para espanto geral, lançava, em média,
um novo livro a cada sete semanas, ao mesmo tempo que escrevia para vários
periódicos e trabalhava como editor. É duvidoso que ele tenha precisado da
ajuda de alguém para escrever um livro ou clarear suas ideias. A relação entre
Case e um Atkinson muito mais velho e culto poderia, quando muito, parecer
aquela que se dá entre um aluno e seu professor, e não entre dois pares ou
coautores. Um mágico de palco nascido como Claude Conlin, que na vida adulta sempre usou turbante e era conhecido pelo seu público como “Alexander, o Homem que Tudo Sabe”, também foi alçado à condição de um dos Três Iniciados. Embora Conlin não fizesse parte de O Caibalion, em 1924 ele publicou uma obra em cinco volumes que trazia o título de The Inner Secrets of Psychology, e também era o homem por trás de dois pseudônimos frequentemente confundidos com William Walker Atkinson: Swami Panchadasi e Swami Bhakta Vishita. [21] Na primeira frase da introdução ao O Caibalion, dão-se as boas-vindas aos “estudantes e investigadores de A Doutrina Secreta”, e, com essa influência tão clara da teosofia, não surpreende que vários teósofos de renome também tenham sido propostos como um dos Três Iniciados: o arquiteto Claude Bragdon; Rama Prasada, que traduziu textos hindus na virada do século, e Mabel Collins, autora de Light on the Path. [22] Completando a lista de “suspeitos” encontra-se Marie Corelli, autora de muitos romances metafísicos, e o lendário ocultista italiano, conde Alessandro di Cagliostro, particularmente digno de nota se levarmos em conta sua morte, ocorrida bem mais de um século antes da publicação de O Caibalion. Da mesma maneira, as alegações de que Swami Vivekananda, um missionário hindu do século XIX, tinha algo de sua lavra em O Caibalion, não leva em conta sua morte seis anos antes da publicação do livro. Igualmente intrigantes são as menções ao pseudônimo de William Walker Atkinson, Yogue Ramacharaca, como autor de O Caibalion, como vemos no catálogo de 1932 da W & Foyle, que publicava obras de ocultistas ingleses, e, em 1931, no catálogo da biblioteca do British College of Psychic Science. [23] Embora isso possa ser atribuível a um simples erro, reedições posteriores de O Caibalion pela Yogi Publication Society trariam um único anúncio das obras completas de Yogue Ramacharaca na contracapa do livro. Se o pseudônimo Três Iniciados inspirou a busca de um excesso de autores, também ajudou a inspirar a afirmação mais influente e bizarra de autoria: a ideia de que O Caibalion não tinha absolutamente nenhum autor. Com o passar do tempo depois da publicação inicial de O Caibalion, o livro tornou-se cada vez mais visto não como criação de um autor de Chicago em 1908, mas como produto direto da antiga sabedoria Hermética mencionada em sua introdução, ou mesmo do próprio Hermes Trismegisto mítico. Se a obra foi escrita por um verdadeiro iniciado (ou vários iniciados), atuante(s) nos limites de uma escola ou tradição de mistérios, então quem quer que tenha escrito O Caibalion não terá criado o conteúdo de suas páginas – tratar-se-ia de depositários preocupados em passar esse conteúdo adiante. Fosse ou não sua intenção, a introdução de Atkinson tem alguma responsabilidade por essa confusão. Os Três Iniciados curvaram-se tanto em sua humildade que, para os leitores, ficou fácil olhar para além deles e concentrar-se em uma fonte imaginária, histórica ou mítica para o livro. Talvez tivesse sido mais difícil descartar uma autoria humana de O Caibalion se seu autor reivindicasse um mais alto grau de autoria sobre seu conteúdo, ou se o livro tivesse sido publicado com o nome dos Três Magos ou Três Mestres. Ironicamente, essa confusão ajudaria a preservá-lo ou renová-lo continuamente século após século, ao mesmo tempo que ajudaria a tornar nebuloso o nome de William Walker Atkinson como seu legítimo autor. Em primeiro lugar, isso coloca naturalmente a questão do que teria levado William Walker Atkinson a abdicar de seu próprio nome e escrever O Caibalion com um pseudônimo. Os pseudônimos geralmente são atribuídos a motivações sombrias e misteriosas, como nos casos de vida dupla. Contudo, à luz do conjunto completo das obras de Atkinson e de seu contexto, o uso de Três Iniciados tem raízes muito mais mundanas. William Walker Atkinson estava longe de ser o único de seus pares a escrever obras sobre temas bizarros ou mágicos e assiná-las com nomes ou personae igualmente exóticos. Além dos noms de plume [24] de Claude Conlin, o parceiro de palestras de Atkinson em Los Angeles, Alexander McIvor-Tyndall, escrevia como “Ali Nomad”, e seu contemporâneo sediado em Chicago, o editor e autor L. W. DeLaurence, usava túnica e turbante em suas fotos no frontispício de obras como The Hindoo Book of Death. Embora os pseudônimos de Atkinson correspondessem muito pouco a temas específicos, eles seguem mais de perto a linha editorial de diferentes editoras. Yogue Ramacharaca escreveu para a Yogi Publication Society, e Theron Q. Dumont publicou na Advanced Thought Publishing, enquanto as obras de Atkinson assinadas com seu verdadeiro nome foram escritas com muitas temáticas distintas, em períodos distintos. Os indícios levam a crer que seus pseudônimos talvez fossem uma maneira de evitar a saturação do mercado com títulos assinados por ele mesmo, e também de publicar novas obras enquanto mantinha contratos exclusivos, de curto prazo, com diferentes editoras. Algumas obras que Atkinson escreveu com um nome totalmente diferente na capa, ou com pseudônimos que só foram usados uma vez, diziam respeito a sexo ou ao ocultismo. Isso sugere que esses pseudônimos também eram um expediente prático para Atkinson, um exadvogado, proteger-se numa época em que os Correios dos Estados Unidos e paladinos da moral pública, como Anthony Comstock, inspetor postal e criador da Sociedade para a Eliminação dos Vícios de Nova York, perseguiam regularmente os autores e editores cujos livros sobre sexo ou magia eram por eles considerados como obscenos ou fraudulentos. William Walker Atkinson certamente extraiu uma lição desalentadora de sua mentora Helen Wilmans, a quem dedicou com especial deferência seu livro The Secret of Mental Magic, de 1907, como uma fonte de “inspiração, coragem, determinação e vontade”. Na virada do século, Wilmans teve sua grande e florescente organização Mental Science, na Flórida, violentamente atacada por acusações de que suas promessas de cura a distância não passavam de fraude postal. Wilmans acabou sendo inocentada da acusação quando a Suprema Corte revogou as acusações de fraude, mas o ônus financeiro de tudo isso foi imenso. Ela passaria os últimos anos de sua vida como uma sombra do que havia sido. Talvez a explicação mais simples e forte do uso do pseudônimo por Atkinson encontre sua explicação na própria história de O Caibalion. Em resumo, o autor com o nome misterioso e a mitologia e o preâmbulo correspondentes – e bem-sucedidos – de O Caibalion criaram um poderoso mito que se conectava com o imaginário de seus leitores e permitia que muitos deles o aceitassem como sabedoria irrefutável.
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