O Cabailon - Edição Definitiva e Comentada
O CORTEJO DE HERMES
Se uma única linha tivesse de ser estendida ao longo da história do esoterismo, tal proeza talvez pudesse ser realizada pelo cortejo de Hermes. As tradições e linhagens herméticas podem ser encontradas em uma miríade de escolas místicas e metafísicas que remontam a muitos milênios e se mantiveram enormemente flexíveis no transcurso do tempo. A figura original de Hermes era o deus egípcio da sabedoria, Tehuti ou Toth. Mais tarde, Tehuti. foi incorporado ao deus-mensageiro grego Hermes, tornando-se conhecido como Hermes Trismegisto, ou Hermes, o Três Vezes Grande. Hermes Trismegisto foi colocado em praticamente cada ponto do espectro entre ser humano histórico e deus mítico imortal, e citado com contemporâneo, às vezes como professor, em alguns momentos identificado com Adão, Noé, Alexandre, o Grande, Enoque, Apolônio de Tiana e, inclusive, Moisés. Ainda mais importante, atribuiu-se a Hermes Trismegisto a autoria de uma coletânea de 42 obras místicas conhecidas como Corpus Hermeticum, que incluía tratados de filosofia, magia e astronomia. Os escritos Herméticos, ou Hermética, constituíam uma força vibrante no mundo helênico: sua influência está presente em obras neoplatônicas, pitagóricas e gnósticocristãs, embora fossem execrados por Santo Agostinho, um dos Pais da Igreja. As obras herméticas entraram em declínio durante a Idade Média, mas foram redescobertas e retraduzidas na corte renascentista de Cosimo de Médici, tornando-se uma das principais influências nos campos da ciência, da cultura e da filosofia. A Hermética também exerceu profundo impacto sobre os alquimistas e mágicos da Renascença, em particular o texto Hermetista cifrado, em treze linhas, conhecido como Tabula Smaragdina, ou Tábua de Esmeralda. Vários sistemas de pensamento rosacrucianista estavam impregnados da Filosofia Hermética, e Hermes é citado em diversos textos primitivos como o fundador mítico da Maçonaria. [9] Muitos séculos depois, a Sociedade Teosófica incluiria uma grande parte da Filosofia Hermética em seus primeiros ensinamentos, e os descendentes e desafetos da teosofia, como a Ordem Hermétida da Aurora Dourada e a Sociedade Hermética, de Anna Kingsford e Edward Maitland, levariam a bandeira de maneira mais explícita. Houve muitos grupos que se autodenominavam “Fraternidade Hermética” em fins do século XIX e primórdios do século XX. Dentre eles, o mais importante e influente foi a Fraternidade Hermética de Luxor, fundada pelo ocultista afro-americano Paschal Beverly Randolph, que em 1871 reeditou um texto Hermético fundamental, conhecido como O Divino Pimandro. Grupos menores de irmãos Hermetistas também podiam ser encontrados em lugares tão discrepantes como Battle Creek, Michigan; San Antonio, Texas; Reno, Nevada; São Francisco, Califórnia, e Chicago, Illinois. Seja por meio de uma linha de descendência, de uma influência direta ou de fontes comuns de inspiração, esses primitivos grupos Herméticos modernos foram responsáveis por um grande número de organizações ocultistas contemporâneas. Em meio à atividade Hermética na virada do século, William Walker Atkinson escreveu O Caibalion com o pseudônimo de Os Três Iniciados. Embora muitos textos Herméticos tenham sido escritos em forma de diálogo, O Caibalion organizou as ideias de Atkinson sobre a sabedoria de Hermes Trismegisto em sete princípios concisos, cada qual com seu próprio axioma: mentalismo, correspondência, vibração, polaridade, ritmo, causa e efeito e gênero. Ainda que a Tábua de Esmeralda também tenha reduzido a Filosofia Hermética a uma série de breves axiomas, O Caibalion analisou seus pontos centrais, explicando e detalhando cada axioma, além de apresentar uma estrutura subjacente a cada um deles. Portanto, alguns dos admiradores de O Caibalion consideram que sua importância como texto autorizado sobre o Hermetismo só fica abaixo do Corpus Hermeticum e da Tábua de Esmeralda, e hoje quase não há dúvida de que ele seja mais lido do que os textos mais antigos. Embora a influência dos textos Herméticos específicos seja evidente em O Caibalion, não fica claro se seu autor recebeu ensinamentos pessoais ou foi educado no contexto de alguma tradição Hermética, ainda que, ao que tudo indica, Atkinson tenha tido oportunidade de ser membro de uma delas. Durante os primeiros anos da permanência inicial de Atkinson em Chicago na virada do século, a Fraternidade Hermética de Atlantis, Luxor e Elephantae, liderada por W. P. Phelon e sua esposa, estava muito ativa na cidade, promovendo encontros e publicando um periódico mensal chamado The Hermetist. Alguns números desse periódico oferecem um registro de outras figuras de destaque no New Thought, como Annie Rix Militz e Ursula Gestefeld, que se mantinham ligadas à Fraternidade Hermética e tinham suas obras promovidas e anunciadas aos seus membros. Pouco antes de Atkinson tornar-se editor da revista Suggestion, de Herbert A. Parkyn, suas páginas traziam menções aos “irmãos Hermetistas” e um Encontro da Fraternidade Hermética na Lua Cheia. Ficava claro que havia alguma convergência entre a Fraternidade Hermética e o círculo da revista sobre hipnotismo de Parkyn e sua Chicago School of Psychology, na qual Atkinson estudou por algum tempo. O próprio Atkinson sugere uma consciência dos grupos Herméticos contemporâneos que incorporavam energia e práticas sexuais em sua obra, com uma vigorosa advertência, no fim do segundo capítulo de O Caibalion, contra “essas numerosas teorias blasfemas, perniciosas, degradantes e libidinosas, esses preceitos e práticas que são ensinados com títulos grandiosos, mas que nada mais são do que uma prostituição do grande princípio natural do Gênero”. Não há nenhum registro claro de que Atkinson tenha pertencido a um grupo Hermético, embora tais registros raramente existam. A semelhança que existe entre O Caibalion, outras obras de Atkinson sobre ocultismo e os escritos de grupos como a Fraternidade Hermética de A. L. e E., pode simplesmente refletir influências compartilhadas, uma linguagem comum ou a criação de mitos na esfera do mundo esotérico da época. Contudo, a participação de William Walker Atkinson em um grupo Hermético continua a ser uma possibilidade sedutora. Mesmo que os axiomas Herméticos não fossem “transmitidos dos lábios aos ouvidos, reiteradamente ao longo dos séculos”, em um sentido mais abstrato, os elementos de O Caibalion que mais tarde seriam contestados oudenegridos encontrar-se-iam perfeitamente alinhados ao espírito da história do Hermetismo. Se Atkinson for culpado pela criação de uma mitologia fantástica na introdução de O Caibalion, com o objetivo de fornecer um cenário para suas ideias – que só lhe fossem parcialmente próprias –, é muito difícil que ele tenha sido o primeiro filósofo Hermetista a fazê-lo. O próprio Hermetismo tem se mostrado propenso a criar sua história com base em seus períodos mais recuados no tempo. Da Renascença até nossos dias, um grande número de eruditos tem procurado localizar muitos dos escritos, desde a supostamente antiga Hermetica egípcia até o período muito mais tardio da Antiguidade Clássica, no qual Hermes Trismegisto era usado como um porta-voz conveniente e autorizado das filosofias mágicas e gnósticas nos primeiros séculos da Era Comum. Os primeiros textos Herméticos foram quase sempre escritos anonimamente e por pequenos grupos de indivíduos não afiliados, e, sobretudo, bem antes dos embevecimentos da nobreza florentina na Renascença, ou das altas expectativas dos endinheirados ocultistas ingleses, os primitivos textos Herméticos eram populares. O público-alvo desses textos eram as pessoas subalternas e os pesquisadores de menor importância, ou aqueles cultos ou centros de poder extrinsecamente estabelecidos. Criticar O Caibalion por ser um tipo de ensinamento espiritual plebeu e inautêntico, se preocupar pelo fato de Atkinson ter usado um pseudônimo ou questionar a autenticidade do texto, equivale, em certo sentido, a atacá-lo pelo fato de ser tradicionalmente Hermético.
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