O Cabailon - Edição Definitiva e Comentada


O PROFESSOR ARCANO 
Na época em que escreveu O Caibalion, William Walker Atkinson – um exadvogado –, redefiniu um antigo termo jurídico, de sentido mais místico, como um lema para seu livro The Arcane Teaching. A expressão é latina; Ex Uno Disce Omnes, que significa “Um único (exemplo) nos permite inferir todos os outros”. [1] O lema era apropriado a Atkinson, que parecia abarcar todas as coisas com uma série infinita de temas em seus livros, artigos e conferências: mesmerismo, habilidade para vendas, cura psíquica, budismo, criação de filhos, frenologia, lógica e raciocínio clássicos, yoga, treino de memória e ocultismo, para citar apenas alguns. Ele alternava a descrição de seus escritos: ora se tratava de ocultismo prático, ora de Nova Psicologia [New Psychology] ou Novo Pensamento [New Thought], e em momentos distintos ele se via como professor de metafísica e cientista da mente, quando não simplesmente um autor. Apesar de toda essa variedade, a mensagem central, em toda a sua obra, ou exemplo único, era invariavelmente simples e direta: a mente, quando controlada e utilizada, poderia mudar a vida de uma pessoa e fazê-la ascender. O maior legado da produção de William Walker Atkinson como escritor talvez seja o modo como sua bibliografia de aproximadamente cem títulos pode ser descrita não em termos de livros, mas em termos de séries de livros: a série New Psychology, em nove volumes, para a Progress Company, e outra série com o mesmo título, em quatro volumes, para a Elizabeth Towne Company; os seis volumes da obra The Arcane Teaching, e os doze volumes da série Personal Power. Atrelados à produção e à mística que envolviam Atkinson, havia ainda mais de meia dúzia de pseudônimos que ele utilizou para assinar seus livros, entre eles: Yogue Ramacharaca, Theron Q. Dumont e Magus Incognito. Além de autor, Atkinson trabalhou simultaneamente como editor e colaborador das revistas Suggestion, New Thought e Advanced Thought, [2] e também escreveu prolificamente para várias revistas, entre elas a Nautilus de Elizabeth Towne. [3] Atkinson envolveu-se com a International New Thought Alliance (INTA), da qual foi vice-presidente honorário por algum tempo, e frequentemente fazia palestras e conferências a convite de outras personalidades eminentes do New Thought. Durante as três décadas em que Atkinson escreveu, ele mudava com muita frequência e, pelo menos durante três períodos distintos, morou tanto em Chicago como em Los Angeles, cidades que eram dois dos mais importantes polos aglutinadores do misticismo e do esoterismo nos primórdios do século XX. Sua fama como escritor, sua posição como editor de revistas e membro da INTA, suas raízes em diferentes cidades e, não menos notável, sua personalidade gregária – tudo isso contribuiu para colocar William Walker Atkinson em contato, em suas diferentes aptidões, com um vasto “Quem é quem” do New Thought e do esoterismo daquele momento: Julia Seton Sears, Ernest Holmes, Helen Wilmans, Henry Harrison Brown, Ella Wheeler Wilcox, Sidney Weltmer, Christian D. Larson e Annie Rix Militz, para citarmos apenas alguns. ✬ ✬ ✬ Nascido em Baltimore em 1862, poucos meses depois da Batalha de Antietam, William Walker Atkinson foi criado em um sólido lar de classe média e recebeu sua educação formal em escolas públicas. Com pouco mais de 20 anos e lutando para encontrar trabalho devido à morte do pai, parece que ele sofreu uma crise psicológica ou emocional, desaparecendo por vários dias, mas sempre retornando para juntar-se à sua família na casa em que viviam. Com o tempo, o jovem Atkinson estabilizou-se, passou a trabalhar na mercearia da família e terminou por casar-se com Margaret Foster Black no dia de Halloween de 1889. [4] O casal teria dois filhos, William C. Atkinson, e Joseph Welsh Atkinson, que morreu na infância. Em 1893, como era comum na advocacia, Atkinson passou dois anos como aprendiz de um advogado da Pensilvânia e, depois de ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados, passou a atuar como um bem-sucedido advogado independente. Seus principais campos de atuação eram testamentos, inventários e partilhas. Bem na virada do século, a vida de William Walker Atkinson sofreu um abalo quando, depois de mudar-se para uma cidade vizinha para juntar-se a um escritório de advocacia na condição de sócio, foi-lhe negada a simples e rotineira transferência de suas credenciais jurídicas. A Ordem dos Advogados local insistia em afirmar que as credenciais de Atkinson seriam invalidadas com a mudança, e que ele teria de esperar seis meses para poder refazer o exame da Ordem sob sua supervisão. Atkinson viu-se impossibilitado de trabalhar, e precisou recorrer às mesmas pessoas que pareciam estar claramente contra ele. Os amigos mais próximos de Atkinson diziam que ele estava obcecado pela injustiça, e mais tarde ele escreveria sobre o terrível preço que teve que pagar por esse contratempo que exauriu suas finanças, sua saúde e energia.
A essa altura de sua vida, Atkinson descrevia-se como um ocultista teórico, mas carecia de experiência prática. Sua situação, porém, o obrigou a pôr o conhecimento esotérico para funcionar no aqui e agora, e ele rapidamente adotou o utilitarismo da escola de pensamento positivo do New Thought, e o fez com o fervor dos convertidos. Esse casamento do esoterismo com sua aplicação prática seria a pedra angular de seu pensamento pelos próximos 32 anos, exatamente como ocorrera com a visão de mundo e a linguagem legalista de sua carreira anterior. Entre setembro e dezembro de 1900, William Walker Atkinson se mudou para Chicago com a família, e ali deu início à sua nova vida de escritor, tendo concluído seu primeiro livro, Thought Force, depois de estabelecer-se na cidade. Poucos meses depois, já havia começado a escrever textos anônimos para uma revista dedicada ao hipnotismo terapêutico e medicinal, intitulada Suggestion, e logo passou a exercer o cargo de editor assistente. Atkinson criou sua própria escola de “Ciência Mental” por um breve período, e também dava consultas a pacientes e clientes particulares, uma prática que ele não abandonaria até o fim da vida. Em fins de 1901, Atkinson tornou-se editor de The Journal of Magnetism, que logo mudou de nome, passando a se chamar New Thought. Essa revista era dirigida por um autodenominado especialista em hipnose, chamado Sydney Blanchard Flower, que vinha publicando a revista havia anos, quase sempre com um título e um corpo editorial diferentes. Foi na revista que Atkinson adquiriu sua voz de escritor, e, graças a uma série de colunas e artigos que ofereciam uma interpretação prática a questões esotéricas como mentalismo, mesmerismo e telepatia, ele rapidamente se tornou a principal atração da New Thought. Sydney Flower, por sua vez, começou a usar as páginas da New Thought e seu crescente público leitor como um mercado para um conjunto de maneiras de ganhar dinheiro que foi se tornando cada vez mais bizarro e suspeito: um cigarro saudável, alimentos medicinais, estâncias terapêuticas com dietas exclusivamente à base de leite, uma invenção milagrosa para a extração de minérios e várias ofertas de ações demasiado boas para serem verdadeiras. Em fins de 1904, as coisas chegaram a um ponto crítico quando, a pedido do chefe dos Correios, a polícia fez uma batida de surpresa nos escritórios da New Thought, que naquela época havia se transferido para Nova York, e indiciou Flower pelo uso de serviços de correspondência ilegal. Flower desapareceu e, embora a New Thought continuasse, não demorou muito para que Atkinson e sua família se mudassem para o extremo oposto do país, estabelecendo-se em Los Angeles. Atkinson relembraria seu período em Los Angeles como um período para descansar, recarregar as energias e fazer pesquisas. Enquanto esteve no Sul da Califórnia, ele continuou a escrever e a contribuir com suas colunas eventuais para a New Thought, mas sua produção era muito menor do que a dos anos anteriores, quando ele escrevia para revistas e, ao mesmo tempo, publicava livros com seu próprio nome e com o pseudônimo Yogue Ramacharaca. Em Los Angeles, Atkinson fez palestras ao lado de Alexander McIvor-Tyndall, de início um mágico de palco que se tornou mentalista e depois passou a dar palestras sobre o New Thought; Atkinson também publicou durante algum tempo sob o selo editorial de A. Victor Segno, que se tornou sinônimo de charlatão e fraudador devido à sua School of Success que, entre outras coisas, vendia pelo Correio “ondas mentais por um dólar cada”. Ainda mais significativo foi o fato de, ainda em Los Angeles, Atkinson ter se tornado amigo de Premananda Baba Bharati, um dos primeiros missionários hindus que foram da Índia para os Estados Unidos. Atkinson falava com fervor sobre o discípulo de Krishna, e escreveu vários textos breves para a revista Light of India, publicada por Bharati. A afinidade entre Atkinson e Bharati foi apenas uma dentre muitas ligações entre o New Thought e as primeiras introduções do hinduísmo e do yoga na consciência popular norte-americana. Isso também sugere que Atkinson talvez tenha bebido muito mais perto da fonte do que muitos críticos admitem. Atkinson voltou para Chicago em 1907 e, exceto por um breve retorno à Califórnia, permaneceria em Chicago, ao lado da esposa, pelos quinze anos seguintes, que demarcam o período mais produtivo de sua carreira. Com seu próprio nome e com o pseudônimo Yogue Ramacharaca, Atkinson continuou a escrever sobre o misticismo hindu, mas também começou a ver os temas sobre os quais escrevera anteriormente como pertencentes ao território da psicologia; um desenvolvimento lógico de sua preocupação com a mente e sua própria iniciação nos universos da sugestão e da cura mental. Mais tarde, Atkinson escreveria suas obras de maior expressão quase que exclusivamente sob o pseudônimo de Theron Q. Dumont, um cavalheiro francês ligado a uma imaginária escola parisiense de hipnotismo. Os livros assinados como Dumont tinham como público-alvo a crescente massa de vendedores e trabalhadores corporativos em busca de um caminho mais espiritualizado que os ajudasse a obter ganhos monetários práticos no mundo dos negócios. Atkinson também mergulhou profunda e integralmente no ocultismo nos primeiros anos de sua volta a Chicago: dedicando obras aos temas da cristalomancia [5] e leitura da mente em 1907, escrevendo com seu próprio nome; no mesmo ano, escrevendo obras sobre o que ele chamava de “Magia Mental”, e produzindo anonimamente uma série em seis volumes sobre ocultismo, intitulada The Arcane Teachings, de 1909 a 1911. Em meados desse período de atividade, ele criou sua obra mais eloquente e a melhor condensação dos pontos essenciais da filosofia oculta, O Caibalion. Com um misto de imaginação, clareza e organização, O Caibalion incorporava modelos supostamente antigos de esoterismo com a ciência e a psicologia modernas. Desde que foi publicado pela primeira vez em 1908, e até hoje, O Caibalion exerce enorme influência sobre uma ampla variedade de escolas espirituais de pensamento, sem contar o fascínio de sua própria história, que será detalhada mais adiante nesta introdução. As obras de maior expressão escritas durante o período que Atkinson morou em Chicago foram acompanhadas por um fluxo regular de escritos para diferentes revistas. Entre março e junho de 1910, ele voltou ao seu antigo posto de editor da revista New Thought, até esta finalmente encerrar suas atividades pouco tempo depois. Ao mesmo tempo, Atkinson escrevia para várias revistas da The Progress Company. Também escrevia artigos mensais para a revista Nautilus, de Elizabeth Towne, o que permitiu que muitos de seus textos fossem vendidos para jornais de todo o país. Em 1916, Arthur Gould, da Advanced Thought Publishing Company, fundou uma revista com o mesmo nome, que circulou por aproximadamente quatro anos e sobre a qual se pode afirmar, com absoluta certeza, que foi o “trabalho de um homem só” enquanto esteve sob a responsabilidade de William Walker Atkinson, cujas colunas mensais, seções de cartas e artigos assinados com seu próprio nome e diversos pseudônimos ocupavam quase a revista toda. Nos primórdios da década de 1920, Atkinson mudou-se para Detroit a fim de participar, por um breve período, de uma série de doze volumes intitulada Personal Power, juntamente com Edward Beals, que já havia trabalhado na revista e editora The Progress. Com um total de mais de duas mil páginas, a série Personal Power era, por assim dizer, uma biblioteca referencial em miniatura na qual se podia encontrar a maior parte da metafísica prática elaborada por Atkinson nas duas décadas anteriores. Embora Beals aparecesse como coautor de Atkinson, o passado dos dois sugere que Beals talvez tenha atuado mais como um parceiro nominal e financeiro do que no processo criativo real. De Detroit, Atkinson voltou para o Sul da Califórnia com sua esposa, onde permaneceu até o fim de sua vida, morando bem perto do filho e das duas netas. Fazia palestras e continuou a publicar esporadicamente, mas numa velocidade bem mais reduzida, que começava a refletir seu envelhecimento. Em 1929, bem no início da Grande Depressão, Atkinson demonstrou sua longa admiração pela Teosofia, e concluiu um manual sobre o assunto; um ano e meio depois, terminou As Sete Leis Cósmicas. [6] Dois dias antes do Natal de 1931 ele sofreu um acidente vascular cerebral e, pouco menos de duas semanas antes de completar 70 anos de vida, em 22 de novembro de 1932, William Walker Atkinson morreu em sua casa em Pasadena. Depois de sua morte, ao mesmo tempo que passou a exercer grande influência, paradoxalmente sua obra começou a ser esquecida. Ao contrário de outros representantes do New Thought que haviam criado suas próprias instituições, como a Unity School of Christianity, de Fillmore, ou a United Church of Religious Science, de Ernest Holmes, depois da morte de Atkinson   não restou nenhuma instituição que pudesse relançar seus artigos e conferências, nem de mantê-lo à altura de seu próprio legado. Com seus textos lançados por tantos editores de livros, revistas e periódicos, muitos dos quais desapareceram ou se perderam no tempo, somente fragmentos de sua bibliografia integral conseguiram chegar a arquivos dispersos e desconexos. Pessoas como Annie Rix Militz e Emma Curtis Hopkins haviam preservado e catalogado boa parte desse material, o que facilitou o surgimento de artigos acadêmicos e teses de doutorado, permitindo que as ideias de Atkinson ocupassem seu devido lugar no contexto das histórias mais importantes do New Thought e da religião norte-americana. Contudo, William Walker Atkinson estava na dependência daqueles que, caso o incluíssem em seus relatos, escreveriam sobre ele com base em fragmentos de sua produção ou em informações inexatas. Com a dificuldade adicional de organizar seus diferentes pseudônimos, depois de sua morte tornou-se comum que as pessoas admirassem os livros de Yogue Ramacharaca, William Walker Atkinson e os Três Iniciados, desconhecendo o fato de que todos eles vinham da mesma pessoa. Fosse isso trágico ou conveniente, o homem que era um adversário tão radical da Churchianity, [7] e que tantas vezes escreveu que suas ideias deveriam ter uma finalidade útil e serem então descartadas, acabou por ter sua vontade atendida. Apesar de todos esses obstáculos, muitos dos livros de William Walker Atkinson tiveram uma sobrevida muito maior do que a de seus pares. A Grande Depressão testemunhou um recondicionamento dos dogmas centrais do New Thought. Como um dos autores mais conhecidos e prolíficos do New Thought, muitas das obras de Atkinson forneceram um modelo para os autores de livros de autoajuda que se seguiram a ele, como Robert Collier e Norman Vincent Peale. Peale e outros encontraram um grande público para as ideias do New Thought vendidas nos contextos mais mundanos de autoaperfeiçoamento e pensamento positivo. Ainda que frequentemente criticado como simplistas ou desinformados, os escritos de Atkinson como Yogue Ramacharaca estiveram entre os primeiros a abordar seriamente o tema do yoga como uma prática a ser adotada, ainda que, em parte, depurassem essa prática através da cultura física, da Teosofia e do New Thought. Na primeira metade do século XX, quando mestres e missionários da Índia lentamente começaram a vir para o Ocidente, os livros de Yogue Ramacharaca conquistariam muitos leitores para o Hinduísmo e o Vedanta, tornar-se-iam catalisadores das buscas espirituais da Índia e ofereceriam os conceitos de respiração yogue e da consciência meditativa para a intelligentsia artística nos universos da literatura, do jazz, da dramaturgia e das artes plásticas. Ramacharaca, supostamente um hindu do século XIX, seria redescoberto na década de 1960 e continuaria a introduzir o misticismo e a meditação orientais para um grande número de buscadores e eventuais professores de yoga com formação própria. A influência iria tornarse ainda maior à medida que outros levassem as palavras de Ramacharaca para outros domínios, como Carlos Castañeda, o conhecido seguidor do xamanismo, que colocou as palavras de Yogue Ramacharaca na boca de seu suposto mentor, o guia yáqui Don Juan. [8] E isso nos leva à obra mais significativa de William Walker Atkinson, que talvez seja o que ele escreveu de melhor: O Caibalion. A obra pseudônima enfatiza esse paradoxo de influência e obscuridade. Apesar de impossível de ser entendido em sua totalidade quando separado de seu autor, o discurso sobre “As Sete Leis Herméticas” assumiu uma vitalidade extraordinária e de grande alcance, além de uma história própria.

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