Espiritismo e Sua Relação com Outros Segmentos da Sociedade - Ciência/Método científico e "ciência espírita"

Espiritismo científico é a uma corrente ideológica do movimento espírita europeu e brasileiro que teve notoriedade na segunda metade do século XIX, após a morte de Allan Kardec, e a primeira metade do século XX. Seus ideológicos em geral consideram o espiritismo puramente como uma ciência que deve ser entendida ou adaptada no sentido estrito da palavra. Segundo o historiador da Universidade de Iowa John Monroe, "Na virada do século XX fazia todo o sentido acreditar que os conceitos dele [Kardec] seriam incorporados às pesquisas do meio acadêmico".
No longo discurso fúnebre proferido no enterro de Allan Kardec em 1869, o astrônomo espírita francês Camille Flammarion falou sobre o novo rumo que previa e defendia para o espiritismo: "[...]esse complexo estudo deve entrar agora em seu período científico. Os fenômenos físicos sobre os quais não se insistiu de início, devem se tornar o objeto da crítica experimental, à qual devemos a glória do progresso moderno, e as maravilhas da eletricidade e do vapor; esse método deve tomar os fenômenos de ordem ainda misteriosa, aos quais assistimos, dissecá-los, medi-los, e defini-los. Porque, Senhores, o espiritismo não é uma religião, mas é uma ciência, ciência da qual conhecemos apenas o a b c. [...] O sobrenatural não existe mais. As manifestações obtidas por intermédio dos médiuns, como as do magnetismo e do sonambulismo, são de ordem natural, e devem ser severamente submetidas ao controle da experiência. Não há mais milagres. Assistimos à aurora de uma ciência desconhecida.":
Desde a morte de Kardec, o chamado "espiritismo científico", que possui ênfase em estudos baseados principalmente em O Livro dos Médiuns, é o mais praticado na França; enquanto no Brasil - o país com maior concentração de espíritas - e no resto do mundo, o chamado "espiritismo religioso", com ênfase em lições morais contidas em O Evangelho Segundo o Espiritismo, ainda é o mais praticado, sendo que a doutrina consta no último censo demográfico do IBGE como a terceira maior religião do país e no último censo do Adherents como uma das maiores religiões do mundo.
A investigação científica dos fatos e causas dos pretensos fenômenos mediúnicos é objeto de intenso estudo, principalmente pela pseudociência da parapsicologia. Investigações científicas sobre mediunidade e outros "fenômenos espirituais" defendidos pelo espiritismo ocorreram/ocorrem inclusive em âmbito universitário, mas apesar de muitos cientistas, inclusive renomados, já terem afirmado que evidenciaram a existência de fenômenos do tipo em suas pesquisas, através do método científico a existência de espíritos não se encontra estabelecida, também não provada.
Mesmo não considerados ciência em sentido estrito, justamente por serem sustentados também por pilares filosófico-religiosos, os fenômenos espíritas foram e ainda são, contudo, objetos de estudos para um número bem expressivo de pesquisadores (mais notoriamente médicos e parapsicólogos) ao redor do mundo; e dentre estes, muitos alegaram/alegam inclusive dispor de fortes evidências para corroborar de forma bem próxima à científica estrita vários dos princípios espíritas.
Muitos cientistas e intelectuais renomados empenharam-se em investigações sobre a mediunidade e suas implicações para as relações mente-cérebro, entre eles: Allan KardecAlfred Russel WallaceAlexandre AksakofCesare LombrosoCamille FlammarionCarl JungCesare LombrosoCharles RichetGabriel DelanneFrederic Myers, Hans Eysenck, Henri BergsonIan StevensonJ. J. ThomsonJ. B. Rhine, James H. Hyslop, Johann K. F. ZöllnerLord RayleighMarie CurieOliver LodgePierre CuriePierre JanetThéodore FlournoyWilliam CrookesWilliam James e William McDougall.
Em termos de Medicina, indivíduos com sintomas como audição ou visão de espíritos já foram apontados como sendo portadores de transtornos mentais mas há muito, com as atualizações da Classificação internacional de doenças, a Medicina reconhece que esses sintomas não possuem necessariamente causas patológicas.
Classificação internacional de doenças (CID) em sua décima atualização, a CID-10, prevê, em seu item F.44.3 os chamados "Estados de transe e de possessão", definidos como: "Transtornos caracterizados por uma perda transitória da consciência de sua própria identidade, associada a uma conservação perfeita da consciência do meio ambiente." Contudo, explicitamente descreve em alínea seguinte: "Devem aqui ser incluídos somente os estados de transe involuntários e não desejados, excluídos aqueles de situações admitidas no contexto cultural ou religioso do sujeito."
Nesse sentido é feita a distinção entre o estado de transe normal - a exemplo a hipnose, não mais considerado doença - e o transtorno dissociativo psicótico, uma patologia psiquiátrica. Exclui-se desse item também, entre outros, a esquizofrenia. Evidencia-se também na CID que os estados de transes tidos por espiritualistas como oriundos de "possessões espirituais" - comuns em ambientes religiosos - não são acobertados pelo item F.44.3 citado, e não são considerados patológicos; e apesar da CID reconhecer tais estados de transe ao excluí-los explicitamente, também não aponta "espíritos" como causa de transe algum, mesmo que alguns adeptos espiritualistas insistam em dizer o contrário.
A expressão "possessão" figura no referido item da CID com acepção que remete aos estados de agitação demasiada, de agressividade ou mesmo de fúria; e mediante tal acepção a leitura do item associado em íntegra implica, nitidamente, o não reconhecimento da tal causa "espiritual" (vide alínea). Argumento em favor da asserção inicial deriva também do fato de que o reconhecimento de tal causa pela Organização Mundial de Saúde implicaria a inserção compulsória dessa na CID bem como a necessidade de tratamento ou acompanhamento específicos visto serem tais estados de "possessão" prontamente reconhecidos, antes de mais nada pelos próprios espiritualistas, como situações muitas vezes prejudiciais à saúde do "possuído" e que requerem por tal tratamento ou mesmo acompanhamento "espiritual" imediato, tratamentos esses certamente fornecidos - segundo suas crenças - pelos referidos grupos ou autoridades religiosas capacitadas junto aos seus templos ou ambientes de reuniões; contudo não definidos, estabelecidos, tampouco cogitados pela Organização Mundial de Saúde.
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua quarta revisão (1994), incluiu advertência contra a interpretação equivocada de experiências espirituais ou religiosas como transtornos mentais e distinguiu dos transtornos mentais uma outra categoria de problemas classificados como “outras circunstâncias que podem ser foco de atenção clínica”, incluindo-se a isto uma subcategoria específica denominada “problemas espirituais ou religiosos”, para a orientação de profissionais da saúde no diagnóstico e tratamento de alguns possíveis problemas não patológicos dos pacientes.
Já reconhecendo a influência do estado de espírito na saúde e bem-estar, notórias instituições científicas, como a The World Psychiatric AssociationAmerican Psychological AssociationAmerican Psychiatric Association e Royal College of Psychiatrists, possuem seções dedicadas à relação entre saúde e espiritualidade.
A relação do espiritismo em si com a medicina é profunda, estando presente em muitos livros espíritas e havendo inclusive a Associação Médico-Espírita Internacional, que congrega associações médico-espírita de diversos países. O espiritismo constitui um amplo movimento internacional de instituições de caridade e saúde, como se constata principalmente através da existência de tais associações, inúmeros hospitais e centros espíritas e uma notória promoção da psiquiatria e da homeopatia.
O médico e político Bezerra de Menezes, espírita, escreveu o clássico livro A Loucura sob Novo Prisma, buscando principalmente relacionar a questão dos transtornos mentais com o espiritismo e assim promover a aplicação de meios mais eficazes de tratamento no campo da saúde mental.
Atualmente o psiquiatra e parapsicólogo Alexander Moreira-Almeida, coordenador da Seção de Espiritualidade, Religiosidade e Psiquiatria da World Psychiatric Association, é um dos principais nomes no estudo científico da relação entre saúde e experiências espirituais, principalmente a mediunidade.


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